Com a colaboração de nosso leitor Daniel Cherem, do Senai de Santa Catarina, conseguimos compreender a origem do absurdo que está deixando muita gente perplexa Brasil afora.

Como já registramos no comentário Receita Federal quer cobrar INSS patronal de contratante de MEI, a IN RFB 1.453/2014 alterou o art. 201, § 1º, da IN RFB 971/2009, e estabeleceu que os tomadores de serviços prestados por MEI devem recolher contribuição previdenciária patronal:

I – em relação ao MEI que for contratado para prestar serviços de hidráulica, eletricidade, pintura, alvenaria, carpintaria e de manutenção ou reparo de veículos a partir de 1º de julho de 2009;

II – em relação aos demais serviços prestados por intermédio do MEI, a partir de 9 de fevereiro de 2012.

Nossa perplexidade com o inciso II decorreu de vários fatores, mas especialmente da falta de amparo em lei para a exigência. É inconcebível que através de Instrução Normativa se crie nova hipótese de incidência tributária, sendo ainda mais absurdo que ela tenha aplicação retroativa.

Mas segundo a RFB, a nova redação da IN 971/2009 se justifica pela alteração do § 1º, do art. 18-B, da Lei Complementar 123/2006 (Lei do Simples Nacional), que foi promovida pela Lei Complementar n. 139, de 10 de novembro de 2011.

O novo texto suprimiu a expressão “exclusivamente” da redação até então vigente. Assim, segundo o órgão fiscalizador, a nova hipótese de incidência foi criada na lei e, observado o princípio da anterioridade nonagesimal, após a publicação da LC 139/2011, ela é exigível a partir de 9 de fevereiro de 2012.

Analisemos a argumentação da RFB e vejamos se ela tem consistência.

Primeiramente, observemos qual foi, de fato, a alteração no texto do art. 18-B da LC 123/2006:

Antes da LC 139/2011: 

Parágrafo único. Aplica-se o disposto neste artigo exclusivamente em relação ao MEI que for contratado para prestar serviços de hidráulica, eletricidade, pintura, alvenaria, carpintaria e de manutenção ou reparo de veículos. (produção de efeitos: 1º de julho de 2009)

Depois da LC 139/2011:

§ 1º Aplica-se o disposto no caput em relação ao MEI que for contratado para prestar serviços de hidráulica, eletricidade, pintura, alvenaria, carpintaria e de manutenção ou reparo de veículos. (Redação dada pela Lei Complementar nº 139, de 10 de novembro de 2011)

Segundo a RFB, após a supressão do termo exclusivamente, ficou claro que o texto legal (que era o parágrafo único e virou § 1º) passou a prever a incidência da patronal não somente para os serviços mencionados, mas para todos. Na visão do órgão, ao ler a nova redação, qualquer contribuinte iria compreender que o § 1º agora se referia à incidência naqueles serviços descritos e também nos demais.

Ora, a interpretação sugerida é tão absurda quanto infantil! Tudo bem que a interpretação histórica das normas legais é critério de hermenêutica adotado para solucionar determinadas dúvidas, mas não se pode utilizá-la com a pretensão de ampliar o sentido daquilo que está posto.

Se a alteração promovida pela LC 139/2011 tinha a pretensão de criar a exigência de patronal para todos os serviços prestados por meio, por quê seu texto não fora elaborado de maneira clara? Duas sugestões possíveis e simples para a nova redação seriam:

a) Aplica-se o disposto no caput em relação ao MEI que for contratado para prestar qualquer espécie de serviço; ou

b) Aplica-se o disposto no caput não somente em relação ao MEI que for contratado para prestar serviços de hidráulica, eletricidade, pintura, alvenaria, carpintaria e de manutenção ou reparo de veículos.

Pretender que os contribuintes passassem a recolher a CPP a partir de mera suposição representa equívoco tão gritante que nos leva a fazer algumas perguntas no mínimo intrigantes. São elas:

1) Admitindo que a RFB estivesse certa, por quê o legislador, ao alterar a LC 123/2006, teria escolhido a redação mais confusa para comunicar a ampliação da hipótese de incidência? Com o objetivo de criar uma cilada normativa?

2) Por quê a Resolução do Comitê Gestor do Simples Nacional nº 94/2011 (art. 104, § 6º, I), publicada 20 dias após à Lei Complementar n. 139/2011, afirma que a incidência da Contribuição Patronal Previdenciária (CPP) se dá na hipótese de contratação de serviços de hidráulica, eletricidade, pintura, alvenaria, carpintaria e de manutenção ou reparo de veículos? Ela já não deveria levar em conta a nova redação do art. 18-B da LC 123, publicada algumas semanas antes? Mais ainda, por quê ela sofreu 14 alterações desde então e até hoje (mesmo após a IN RFB 1.453/2014) este ponto não foi modificado e permanece com a redação original?

3) Por quê a RFB vislumbrou que a LC 139 criou nova hipótese de incidência da CPP na contratação de MEI em fevereiro de 2012 e demorou “apenas” dois anos para adequar a IN RFB 971/2009? Ela não percebeu a alteração? Não julgou importante regulamentar logo a mudança?

4) Por quê a nova redação do art. 201, § 1º da IN RFB 971/2009 afirma que o tratamento atual está baseado “Nos termos do § 1º do art. 18 da Lei Complementar nº 123, de 2006, com redação dada pela Lei Complementar nº 139, de 10 de novembro de 2011, se o texto do § 1º do art. 18 não trata da questão e nem foi alterado pela LC 139? O correto seria o texto falar “Nos termos do § 1º do art. 18-B. Apesar de parecer um pequeno detalhe, isso contribuiu para que muitos não visualizassem a origem do absurdo, o que também ocorreu conosco.

Trataremos desta questão com todos seus detalhes nos próximos treinamentos que envolvem o tema. São eles:

Gestão Tributária de Contratos e Convênios – 09 a 11 de abril de 2014 – Brasília-DF

Retenções Previdenciárias – 08 e 09 de maio de 2014 – Belo Horizonte-MG

Aguardemos os próximos capítulos!