Ao longo de todos esses anos, desde 2003, não foram poucas as vezes que um cliente nos questionou durante algum treinamento sobre a natureza da operação de aplicação de vacinas com o respectivo fornecimento dos produtos.

A definição da natureza da operação (se aquisição de mercadorias, prestação de serviços ou ambos) comporta muitas discussões, mas nós sempre ressaltamos que o critério a ser utilizado para se chegar à conclusão passa pela análise das leis complementares que cuidam do ISS e do ICMS.

De uma forma geral, é importante identificar que a prestação de serviços envolve uma obrigação de fazer, diferenciando-se da venda mercantil em que o conteúdo da obrigação envolve a entrega de algo (obrigação de dar). Mas isso não é suficiente para esclarecer as dúvidas em relação à maioria das operações, especialmente naquelas que envolvem ambas parcelas, como em situações bastante comuns atualmente, a exemplo da prestação de serviços de limpeza com os respectivos insumos, de construção civil por empreitada com fornecimento do material, bem como em atividades como treinamento, reprografia e muitos outros em que se percebe a existência de ambas parcelas.

É nesse momento que a gente destaca que o critério para identificação da natureza da operação é legal, isto é, depende da análise do que está descrito nas Leis Complementares nsº 87/1996 (que trata do ICMS) e 116/2003 (que regulamenta o ISS). Se há uma obrigação de fazer por parte do contratado e ela se refere a uma atividade constante da lista anexa à LC 116/2003, o § 2º do art. 1º da mesma lei determina que:

“§ 2º Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias.”

Embora se trate de redação confusa, é possível depreender da leitura do texto que as atividades descritas da lista anexa à LC 116/2003 possuem a natureza exclusiva de prestação de serviços, salvo se houve ressalva na própria descrição do respectivo subitem. Isto é, quando a lista não faz ressalva acerca da incidência do ICMS sobre as mercadorias fornecidas juntamente com a execução do serviço, não se pode cogitar da incidência do imposto estadual.

Como a gente já tratou dessa discussão em outro comentário, inclusive com um vídeo explicativo (recomendo você conferir em Quando incide ICMS e ISS na mesma operação?), vamos direito ao cerne da discussão proposta: aplicação de vacinas com o fornecimento dos imunizantes, é mercadoria ou serviço? Bem, a pergunta deveria ser formulada de outra maneira: a aplicação de vacinas está na lista da LC 116/2003? Em caso positivo, é hipótese de incidência do ISS, pelo menos. 

Ao examinar a lista de serviços, podemos identificar dois enquadramentos possíveis. O subitem 4.03 descreve as atividades de “Hospitais, clínicas, laboratórios, sanatórios, manicômios, casas de saúde, prontos-socorros, ambulatórios e congêneres.” As empresas que aplicam vacinas normalmente são constituídas como clínicas especializadas nesse tipo de serviço, razão pela qual não seria insensato enquadrá-las aí. Entretanto, em se tratando de empresa que não possui estabelecimento enquadrável neste conceito (uma empresa especializada, por exemplo, em aplicação de vacinas nas dependências do contratante), o enquadramento no subitem 4.06 (Enfermagem, inclusive serviços auxiliares) também é perfeitamente possível, inclusive porque o decreto que regulamenta o exercício da profissão cita a aplicação de vacinas como atribuição do auxiliar de enfermagem (Decreto nº 94.406/87, art. 11, III, e).

Uma vez concluído pelo enquadramento da operação como serviço sujeito ao ISS, surge a dúvida que normalmente vem associada ao caso: a parcela relativa ao fornecimento das vacinas deve ser tributada pelo ICMS? Ora, como já comentamos ao transcrever o § 2º do art. 1º da LC 116/2003, basta constatar que inexiste ao final da descrição dos subitens 4.03 e 4.06 ressalvas acerca do fornecimento de mercadorias, aplicando-se a regra geral segundo a qual tudo deve ser tributado pelo ISS, exclusivamente.

Um dos motivos para estarmos comentando esse tema agora (maio/2016) é porque a Receita Federal publicou há poucos dias uma solução de consulta com efeito vinculante tratando a matéria de uma forma no mínimo superficial. Parte da ementa da Solução de Consulta COSIT nº 42, de 19 de abril de 2016, apresenta o seguinte teor:

“ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA IRPJ

EMENTA: LUCRO PRESUMIDO. VENDA DE VACINAS COM APLICAÇÃO. PERCENTUAL DE PRESUNÇÃO.

A venda (comércio) de vacinas veterinárias classifica-se como venda de mercadoria e o percentual para a determinação da base de cálculo do IRPJ é de 8% sobre a receita bruta.
A aplicação de vacinas veterinárias classifica-se como prestação de serviço e o percentual para determinação da base de cálculo do imposto é de 32% sobre a receita bruta. Caso a consulente desempenhe, concomitantemente, as duas atividades o percentual de presunção correspondente deve ser aplicado sobre o valor da receita bruta auferida em cada atividade.
DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei no 9.249, de 1995, art. 15, e Lei no 9.430, de 1996, arts. 1o e 25, inciso I; Decreto n.º 3.000, de 1999 – Regulamento do Imposto de Renda, artigos 518 e 519.”

De uma forma geral, não podemos discordar do que a RFB afirma no documento, mas sem dúvida faltou esclarecer que, de acordo com a legislação que trata do ISS e do ICMS, se não há ressalva no subitem da LC 116/2003, o fornecimento da mercadoria integra a prestação do serviço e a operação deve ser tributada exclusivamente pelo ISS. É o caso da aplicação de vacinas com o fornecimento do material, já que nenhum dos dois subitens (4.03 e 4.06) apresentam ressalvas.

Entendemos que a segregação sugerida na resposta do órgão de fiscalização se aplica exclusivamente às hipóteses em que as operações apresentam características distintas, isto é, somente quando as vacinas são comercializadas sem a obrigação de fazer associada (aplicação) é que elas podem ser tratadas como mercadorias. Do contrário, a combinação de ambos torna toda a operação submetida à incidência de um único imposto (o ISS), em respeito inclusive à orientação do Superior Tribunal de Justiça – STJ, segundo o qual não se admite o desmembramento de contratos para fins tributários (REsp nº 1.054.144 – RJ e 792.444 – RJ).