As entidades usuárias do SIAFI – Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal receberam com surpresa a mensagem encaminhada no dia 22/02/2016 afirmando que não haveria mais a obrigatoriedade de os órgãos federais procederem à retenção do ISS em favor de nenhum município.

A fundamentação, segundo o comunicado, estaria em dois documentos emanados da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN. Os Pareceres ns. 171/2013 e 1.269/2015.

Examinando o teor de ambas manifestações, verificamos que seu fundamento para alcançar tal conclusão está fincado no princípio da imunidade recíproca, previsto na Constituição Federal. O art. 150 da Carta Magna assim propugna:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
VI – instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
(…)
§ 2º A vedação do inciso VI, “a”, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.”

É fácil perceber pela leitura do preceptivo constitucional que o ISS, enquanto tributo municipal, não pode recair sobre atividades desenvolvidas por órgãos, autarquias e fundações de direito público estaduais e federais.

Entretanto, quem examina os pareceres da PGFN é levado ao seguinte questionamento: se a eventual obrigação de reter e recolher o ISS imposta ao ente público diz respeito a tributo devido pelo seu contratado (prestador de serviço), onde estaria a violação alegada pela PGFN? Em outras palavras, se determinado órgão federal se obriga contratualmente a remunerar certo prestador com o equivalente a R$ 100.000,00, por exemplo, e a lei lhe impõe a obrigação de descontar R$ 5.000,00 (5%) a título de ISS, levando o contratante a recolher tal quantia ao Município e creditar R$ 95.000,00 ao contratado, como restaria configurado o desrespeito ao princípio constitucional se o resultado econômico da operação seria exatamente o mesmo (R$ 100.000,00) na hipótese de não haver retenção?

Além disso, o que devemos considerar diante da mensagem contida no art. 9º do Código Tributário Nacional? Seu texto reproduz a regra constitucional da imunidade recíproca e acrescenta em seu § 1º uma ressalva de clarividência solar e que assim prediz:

“Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
IV – cobrar imposto sobre:
a) o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros;
(…)
§ 1º O disposto no inciso IV não exclui a atribuição, por lei, às entidades nele referidas, da condição de responsáveis pelos tributos que lhes caiba reter na fonte, e não as dispensa da prática de atos, previstos em lei, assecuratórios do cumprimento de obrigações tributárias por terceiros.” (Grifamos)

É bem verdade que o parecer combate indiretamente o referido parágrafo ao afirmar que nenhuma norma, seja de natureza complementar ou ordinária, tem o condão de restringir a aplicação da regra constitucional.

Não podemos concordar com tal interpretação e temos diversas razões para defender um posicionamento contrário. Listaremos aqui alguns dos argumentos que já conseguimos pontuar independentemente de outras considerações que podemos acrescentar a posteriori.

Primeiramente, entendemos que a imunidade constitucional recíproca está claramente posta na Carta Magna com o objetivo de evitar a oneração das pessoas jurídicas de direito público, bem como suas autarquias e fundações, com impostos que recaíam sobre seu patrimônio, renda ou serviços, o que não ocorre na hipótese de desconto e repasse de qualquer tributo incidente na fonte.

Em segundo lugar, entendemos que o disposto no § 1º do art. 9º do Código Tributário Nacional, transcrito acima, tem caráter interpretativo. Isto é, não se trata de uma mitigação do princípio constitucional, mas apenas regra baseada num corolário lógico, que dá contornos claros ao princípio jurídico. Em outras palavras, a imunidade recíproca tem como objetivo preservar a Administração Pública de um ônus de índole tributária em favor de outra pessoa jurídica de direito público. Jamais pretende afastar a possibilidade de que ente desta natureza seja responsável tributário, nos termos do artigo 128 do CTN.

Para reforçar o entendimento, tomemos como exemplo o Parecer da própria PGFN a respeito da retenção do Imposto de Renda nos pagamentos a pessoas jurídicas efetuados por Estados e Municípios. Segundo pontuou o órgão federal acerca da Nota Técnica COSIT nº 36, de 6 de dezembro de 2013, expedida pela Receita Federal do Brasil – RFB, o Estado ou Município que efetuar a retenção do Imposto de Renda nos pagamentos a pessoas jurídicas deve recolher a respectiva quantia em favor da União, apropriando-se do montante retido apenas na hipótese de desconto do Imposto nos pagamentos a pessoas físicas.

Embora também não concordemos com o raciocínio nele exposto, queremos utilizá-lo aqui para denunciar a contradição entre os dois posicionamentos. Vejamos o trecho da Solução de Consulta COSIT nº 166/2015, em que a RFB, baseada nos dois documentos (Parecer e Nota Técnica), conclui pela obrigatoriedade de retenção do IR em seu favor:

“O art. 158, inciso I, da Constituição Federal permite que os Municípios possam incorporar diretamente ao seu patrimônio o produto da retenção na fonte do Imposto de Renda incidente sobre rendimentos do trabalho que pagarem a seus servidores e empregados. 

Por outro lado, deve ser recolhido à Secretaria da Receita Federal do Brasil o Imposto de Renda Retido na Fonte pelas Municipalidades, incidente sobre rendimentos pagos por estas a pessoas jurídicas, decorrentes de contratos de fornecimento de bens e/ou serviços.”

Por quê nesta última hipótese o Estado ou Município deve reter e recolher o imposto de renda em favor da União e isto não representa violação a imunidade recíproca? Porque a União, se obrigada legalmente a reter e recolher o ISS nos pagamentos aos seus prestadores de serviços, estaria sendo vitimada pela violação da imunidade recíproca? Nitidamente estamos diante de dois critérios distintos e contraditórios para situações análogas.

Outro argumento importante diz respeito à análise da natureza da obrigação tributária relacionada à retenção de um tributo na fonte. Segundo dispõe o parágrafo único do art. 121, do CTN, a distinção entre a figura do contribuinte e do responsável se dá pelo fato de que o primeiro possui relação pessoal e direta com aquilo que constitui o fato gerador, enquanto o segundo, sem revestir-se de tal condição, tem obrigação de recolher o tributo por expressa disposição de lei.

Inclusive, é por essa razão que a Lei Complementar nº 116/2003, em seu artigo 6º, § 2º, inciso segundo dispõe acerca das hipóteses que denominamos de “retenções obrigatórias”, dando ênfase ao fato de que as entidades contratantes daquele serviços ali listados são obrigados ao recolhimento do imposto ainda que se revistam da condição de imunes ou isentas. Vejamos:

“Art. 6º Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais.
(…)
§ 2º Sem prejuízo do disposto no caput e no § 1o deste artigo, são responsáveis: (Vide Lei Complementar nº 123, de 2006).
(…)
II – a pessoa jurídica, ainda que imune ou isenta, tomadora ou intermediária dos serviços descritos nos subitens 3.05, 7.02, 7.04, 7.05, 7.09, 7.10, 7.12, 7.14, 7.15, 7.16, 7.17, 7.19, 11.02, 17.05 e 17.10 da lista anexa.” (Grifamos)

Portanto, as razões aqui apresentadas já são suficientes para, no mínimo, fazer o leitor do nosso posicionamento e dos pareceres da PGFN ficarem em dúvida.

Para os entes integrados ao SIAFI, não recomendamos seguir a orientação dos pareceres até que maiores esclarecimentos sejam prestados pelo referido órgão.