O tema deste comentário não é novo e está longe de ser pacífico. A Solução de Consulta COSIT nº 201/2014, publicada no último dia 5/8, traz à tona uma incoerência gritante na interpretação da legislação tributária por parte da Receita Federal.

Clique aqui para assistir o vídeo acerca do “Novo entendimento da RFB sobre cessão de mão de obra”, publicado no blog Foco Tributário.

Isso porque o órgão fiscalizador se manifesta mais uma vez no sentido de que é vedado ao optante do Simples Nacional prestar serviços mediante “locação de mão de obra ou cessão de mão de obra”.

O serviço objeto da análise é a operação de veículos, segundo o qual a empresa contratada não disponibiliza seus veículos, mas apenas a mão de obra dos motoristas que irão conduzir os automóveis de determinado tomador. A cessão de mão de obra é facilmente caracterizada nesta hipótese e acerca disso não temos maiores comentários a fazer. Indiscutivelmente a empresa prestadora de serviços está proibida de se enquadrar no Simples Nacional (inciso XII do art. 17 da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006).

O que entendemos ser incompreensível é o fato de a RFB defender, em outra consulta que também possui efeito vinculante, que a locação de veículos com motorista não se caracteriza como prestação de serviço mediante cessão de mão de obra. Tal posicionamento foi manifestado há algum tempo e consta também da Solução de Consulta Interna n° 2, de 27 de janeiro de 2012.

Ocorre que não há na legislação qualquer disposição legal que permita inferir tal raciocínio. Para sustentarmos nossa afirmação, atacamos de forma contundente dois possíveis argumentos que, na visão contrária, poderiam justificar a incoerência:

a) o fato de o contrato envolver locação de veículos com motorista descaracteriza a cessão de mão de obra por haver predominância do custo com os equipamentos, ficando a parcela relativa à mão de obra restrita à uma fatia menor?

Não. Em nenhum momento a legislação previdenciária afirma que a cessão de mão de obra depende da disponibilização exclusiva dos trabalhadores. Ao contrário, os arts. 121 a 123 de IN RFB 971/2009 tratam expressamente da possibilidade de, na base de cálculo da retenção previdenciária sobre a nota fiscal (de 11% ou 3,5%), excluir o valor relativo aos materiais e EQUIPAMENTOS fornecidos ou utilizados pelo prestador. Inclusive, para os serviços de transporte de passageiros em que as despesas com os veículos e motoristas são por conta da contratada, a legislação prevê que a base de cálculo mínimo será de 30% do valor bruto da nota fiscal, caso o contrato não especifique os valores pela utilização dos veículos.

b) o fato de o contrato envolver locação de veículos com motorista descaracteriza a cessão de mão de obra porque os trabalhadores disponibilizados representam parcela acessória do contrato de aluguel dos bens?

Não. Embora a conclusão da RFB seja de que não há cessão de mão de obra na locação de veículos com motorista porque a natureza da operação é de simples aluguel de bens, não ficando caracterizada a prestação de serviços, a legislação do ISS não permite fazer essa inferência. É que o item 3.01 (locação de bens móveis) da lista anexa à LC 116/2003 foi vetado por ocasião da sanção presidencial, mas não há disposição legal que permita entender que ali estava incluída também a locação de bens que envolva também a prestação de serviços a ela associada.

Já denunciamos por ocasião da publicação da Solução de Consulta Cosit nº 64/2013 que tal entendimento está equivocado e representa um tratamento desprovido de respaldo legal. Como ele tem beneficiado diversas empresas que atuam como optante do Simples Nacional, não é o caso de se questionar tal prática judicialmente, mas sem dúvida a postura do Fisco gera um clima de ainda maior insegurança jurídica quanto aos conceitos da legislação tributária e sua aplicação.